Tuesday, January 09, 2007

Viúva capeto

Não se brinca com morte. Mas não era brincadeira, apenas uma moça jogada num asfalto que acabara de acordar, banhado à brisa de um mar morno que ainda estava calmo. Olhos curiosos arregalados pra fora da janela, com meninos pendurados nos braços e motorista que atrasava os passageiros. Céu azul onde tentei encontrar gaivotas, mas talvez fosse manhã de urubus e aquela moça, agora corpo, tão jovem, pega pelos braços e pernas e jogada num baú onde se jogam defuntos e aquela não era a melhor imagem para uma manhã de terça feira rumo ao trabalho. Meu estômago reagira e ouvi que o motorista havia atravessado em sinal vermelho com grosseira velocidade. O baleiro (na bahia, “aquele que vende balas”) era testemunha. Se curiosidade matasse todo mundo daquele ônibus estaria morto há tempos.
Elevador, recepção.
- Bom dia garotas!
- Bom dia, responderam-me sorridentes com bochechas rosadas.
Lembrança da cena renitente, abro a porta do escritório. Mal estar, não sei se se separa com hífen. Cumprimentei novamente, agora com o famoso “e aí”, ao qual responderam também “e aí”. Sentei-me. Se fosse minha irmão! Se fosse minha outra irmã! Mas não era. O computador dizia “Vamos?” Olhei de lado pro mouse. Oh.... companheiro, passarei mais oito horas contigo, meu ratinho de estimação! A sala estava quente e o rádio tocava o carnaval de sempre. Há pessoas na sala que começam a contar a hora pra ir embora a partir das 08:01 hs, (pobres almas). Mas confesso que depois do almoço começo a contagem regressiva. Almoço e livraria. Dei de cara com Maria Antonieta. Quem é Maria Antonieta? Não me era estranho, mas confundo nomes. Hun...Seria a mulher de Dom Pedro I? Que insulto à história universal. Que a catacumba de Heródoto não tome conhecimento. Bem, vamos ver... Algumas folheadas e claro!, a Rainha que perdera a cabeça durante a Revolução Francesa. Então permaneci ali, em pé, imóvel, buscando naquelas linhas que nunca terminavam detalhes da vida e morte de figura tão ilustre. Uma rainha condenada à guilhotina, coisa horrível. A imagem de Maria Antonieta, outrora tão jovem e linda, com anéis de diamantes, cercada de luxo e cortesias, agora carregada numa carroça (não mais carruagem), de mãos amarradas, uma espelunca de vestido, sapatos que não combinavam, pálida, magra, cabelos brancos, abatida, mas de cabeça erguida e sem medo da morte. Um povo sanguinário bradando por sua morte. Viva a Revolução! Não viva a Rainha! Agora, Viúva Capeto. Até então, eu tinha o retrato de uma mulher prepotente e insensível que oprimia o povo e não se importava com sua miséria. Mas a autora fez questão de escrever quatrocentas e não sei quantas páginas para convencer algum leitor que não tem o que fazer no horário do almoço de que ela fora uma pessoa humana e generosa. Eu sabia que não podia repetir essas informações mais que sete vezes pra mim mesmo, senão se tornaria verdade. A ciência já comprovou, nosso cérebro é muito ingênuo ou imbecil. Mas fiquei com pena da Rainha, tão jovem e bela, cheia de vida, com fim tão trágico. Não ia comprar. Dificilmente compro livro. Saí e recebi logo na cara aquele bafo quente de ar vindo da orla e só queria minha sala gelada.
Retornei pra casa com a certeza de que o trânsito era homicida, os franceses não são tão civilizados como parecem e de que eu não queria mais ver no Jornal Nacional imagens de celular de Saddam com a corda no pescoço.
Chega de horror.