Sunday, May 27, 2007

Olhos fechados

Olhos fechados, porque não quero ver luzes amarelas de postes solitários em noite de asfalto preto e molhado, deslizante de respingos de pranto de céu sem estrelas engolido por águas de mar escuro. Vento veloz em meu rosto me carrega pra onde não existe tempo nem fim. O caminho é infinito quando se fecham os olhos. Por que não quero ver borrão de casas velozes passantes em janela de vidro, nem vermelho e amarelo, nem meninas perdidas ao sabor do vento úmido com cristais de sal que embaçam minhas lentes. O mundo é livro de capas fechadas quando se fecham os olhos, e não quero atingir águas de poço profundo porque já tenho sereno suspenso que desce vagarosamente sobre tudo o que não quero enxergar. Passos rápidos em pensamento, porque a estória passou na esquina passada e não pode mais entrar por esta janela que fechei. Estranho silêncio de ruas caladas, todas seguindo caminhos que não quero alcançar. Olhos fechados, porque só quero o peso de minhas pálpebras, não mais o peso de vidas sofridas cheirando à noite cansada, rugas, cabelos brancos, olheiras e desmaio, sentadas em bancos de ônibus mecânicos. Porque aqui, tudo parece mecânico. Olhares mortos, almas vagantes em vagão de ônibus vazio. Não quero esse cansaço, esse olhar penoso que quase não dorme, só quero agora olhos fechados.

Nuvens amarelas

Um instante de palidez, mãos e dedos que se atiram ao vazio de costas que se viram, sem sobras de alma e sombras que transfigurem tua presença. Ponta de dedos incansáveis que não alcançam, e um sopro de vento covarde que levanta fios de teus cabelos aos meus olhos e rabiscam minha face. Passos sem volta, caminho infinito que carrega teus pés a lugares tão distantes que minha imaginação jamais alcançará. Não tem sentido, porque todo o universo agora gira na rotação de um furação e mistura e explode todos os planetas e estrelas de meu céu que acabou de cair, nesse meu instante de palidez, e não tem mais lei que equilibre e recupere, sequer, a órbita de minha via láctea e me faça respirar ar livre de fogo. Respiração, um fôlego assustado, pulmões quase sem ar e nuvens amarelas paralisadas na gravura desbotada de um quadro qualquer. Lentidão, porque não quero perder agora nem as lembranças, e as puxo vorazmente com a memória, esforço inútil. Ah... se pensamentos tivessem mãos, então eu puxaria todas as lembranças perfeitas de meus momentos junto a ti, e as guardaria num baú, todas trancadas, para revivê-las a cada manhã de céu cinzento. Se é o que me resta, retratos de nossas vidas espalhados dento de mim, então juro que meu acordar será sempre um sonho, onde só as lembranças serão reais.

Manhã de sol ocluso

Aqui prostrado, perante um sol que decidiu não nascer esta manhã. Nuvens escuras que carregam ventos gélidos e cortam a alma, deixando-a mais prostrada, quase em migalhas. Porque tuas mãos, singelo sorriso de lábios tênues que rasgam delicadamente teu rosto e olhos translúcidos de infindáveis pensamentos, não se transportam a mim, nesta manhã de sol ocluso. Fico, então, a esperar que um vendaval nascido de detrás das montanhas, veloz e assaltante, possa te roubar onde quer que estejas e te trazer a mim, somente a mim. Mas não ouço tua voz, nem fios de teus cabelos encontro entre meus dedos, nem dançando ao vento, porque a distância do que é concreto ignora a confusão de nossos sentimentos. Quando, então, já existe cheiro e deslizar de dedos em pele macia, mãos quentes, algum suspiro. Quando não há mais sol que se iguale em fulgor e esplendor ao tremeluzir de teus olhos, como diamantes, banhados a respingos de tudo o que sonhas. Quando o dia pode nascer e morrer, e renascer durante duzentos milhões de anos, mas meus passos continuam juntos aos teus e posso contemplar o teu mesmo semblante. Mas quando os pensamentos se perdem no caminho e são levados por tempestades a lugares onde não podem voar, fico imaginando com que asas poderei te alcançar. Meu corpo porém já dói, pés feridos em pedregulhos, e o sol ocluso não me traz sequer memória de algum feixe de luz.