Friday, December 12, 2008

na varanda

Ele contava uns setenta e três anos e deixou-se encostar na cadeira de balanço na varanda de casa. A casa ficava num sítio e, do lugar onde estava, ele via pés de manga ao longe. A tarde estava muda. Só se ouvia um barulho suave do vento escorregando entre as árvores. O céu estava meio apagado e a terra ainda estava escura do chuva que caíra de madrugada. Seu Antônio pegou o copo de café e deu uma golada. Fez isso e depois tentou sentir o sabor batendo com os lábios frouxos. Encostou a cabeça na cadeira e esticou as pernas por cima do batente. Vestia uma calça social velha e calçava sandálias de couro muito pisadas. Olhou pro céu com aquele olhar opaco e quebrado que quase lacrimeja. Tentou puxar lembranças. Fez algum esforço, respirou fundo. Ouviu um barulho de pratos que vinha de dentro da casa. Ele sabia que era a mulher que cuidava. O vento continuava brincando entre as árvores e um outro vento frio entrou de repente na varanda, deslizou no pescoço do velho e foi-se embora. Ele tocou de novo no copo, mas dessa vez não bebeu. Fechou os olhos. Fechou os olhos e mais uma vez respirou fundo. Ouviu o sapo dizer algo, mas não entendeu. Era o velho sapo de toda tarde. Já estava agora grande e gordo. Talvez fosse um sapo também já velho. O sapo tentava puxar assunto com o velho. Mas o velho não lhe dava atenção. Mas ele continuava ali, fazendo companhia ao velho como se gente também fosse. A mulher veio até a janela e viu o homem quase dormindo. Fechou a janela, enrolou um pano no pescoço e seguiu para a cama arrastando as sandálias. O tempo fechava mais. O velho agora ouvia o barulho das gotas de chuva caindo sobre o telhado. Abriu os olhos devagar, tão devagar quanto o movimento preguiçoso de um sol nascente. As gotas iam ficando cada vez mais grandes e pesadas e o barulho sobre o telhado aumentava ainda mais. O velho então puxou as pernas de volta, apoiou a mão trêmula na bengala marron e fez menção de que ia levantar-se. Respirou fundo e encostou-se novamente na cadeira. Decidiu olhar pra chuva. Aquele banho que as nuvens davam na terra. O velho riscou um sorriso. Talvez tenha lembrado de algo. Começou a cantarolar. Uma música velha dos tempos de quando era ainda moço. Começou a cantar, mas cantava baixinho, no ritmo do goteira que caia na varanda. O sapo então começou a cantar junto. E agora cantavam o velho, a chuva e o sapo. O vento que passava por ali, roubava trechos da melodia e a espalhavam sítio a fora, na direção das nuvens. Os galhos das árvores agora dançavam ao som da melodia do velho e as nuvens passaram a chover a mesma melodia. O velho agora se sentia melhor. Aqueles sons beliscavam seu espírito e ele sentia cócegas na alma. Riscou um sorrido mais forte. Algum tempo depois, um raio de luz rompeu nuvens escuras e bateu em cima da varanda do velho. O velho gostou de ver novamente a luz do sol e levantou-se. Levantou-se, aprumou a coluna, e seguiu para o quarto. Depois desse dia, nunca mais imaginou barulho de pratos dentro de casa.

1 comment:

Lola said...

boa definição pro meu blog... ele ainda carecia de uma.
quanto ao seu, que conto mais gostoso de ler! continue escrevendo!