Thursday, August 31, 2006

Goles de café

Verônica sentou-se numa das poucas cadeiras que ficavam junto à porta e pediu um café forte naquela manhã. Eu, à sua frente, apenas a olhava, observando o movimento de sua garganta em cada gole que dava, como se não houvesse nada mais interessante para se observar naquele momento. Verônica alternava entre goles e expressões de sorriso quase imperceptíveis, olhando pra todos os cantos e quase pra mim. Eu viajava, como sempre viajei em situações de silêncio com palavras engolidas misturadas a café. Na noite passada, eu pensava em mim como matéria constituinte do universo, e me imaginava adubo pra plantas, refeição pra bactéria ou qualquer coisa um tanto mais nobre... Mas eu cria que não era apenas isso e tentava fazer com que Verônica me enxergasse além disso. Ficava me imaginando como apenas alma e já que dizem que os olhos são suas janelas eu, nessa condição, punha meus cotovelos sobre as amplas janelas de meus olhos e acenava pra Verônica cobrando dela um simples olhar que me percebesse. O tempo foi passando, o café foi acabando e Verônica só tinha olhos pro colorido do mundo físico: o fardamento vermelho dos garçons, o amarelo do suco de cajá da mesa ao lado, e todas as outras cores que me roubavam a oportunidade de aparecer. Eu, da janela, acenei com as mãos durante vários minutos quase intermináveis e nada. Cansado, fui escorregando, escorregando até que só restaram na janela pontas de dedos e cabelos. Verônica terminou o café e decidiu olhar pro que restara de mim. Perguntou-me sorrindo no que eu estava pensando durante aqueles minutos de silêncio.
Eu prontamente respondi :
- Bactérias

No comments: