Thursday, August 31, 2006

Verde, amarelo, vermelho

Mariana estava mais uma vez naquele poste, cuja luz amarelada confundia-se com a fumaça espessa de seu cigarro. Um cigarro barato, daqueles que acompanham desenhos de caveira no caixão. A noite transcorria bela no movimento dos carros que iam e viam diante de Mariana, com vidros fechados, ar ligado e música suave e romântica. Mas dentro de si, Mariana sentia um inferno de dores e frustrações que pediam mais e mais fumaça pra dentro do que ainda restava de seus pulmões. Carregava no corpo um vestido que talvez já fosse sua sombra e, se algum dia lhe perguntassem: “ei, quem é você?”, ela poderia, sem cometer, sob qualquer aspecto, crime de falsidade ideológica, responder: “eu sou eu e meu vestido”, (vide Ortega y Gasset).
Mas o que me chamava atenção em Mariana era seu olhar, revestido de uma névoa densa. Um olhar duro e seco, que crucificaria a si e a qualquer alma “viva ou morta” que lhe aparecesse naquela noite.
Mariana comia fumaça e pedia inconscientemente que os céus se abrissem e de lá de cima caísse um raio que partisse ao meio a tudo e a todos. Não havia como tocar em Mariana. Não havia como se aproximar de Mariana. Não havia como ouvir coração em Mariana.
Ela continuava, quase que num ritmo frenético, a jogar pra trás seus poucos fios de cabelo ressecados. Cuspia de instantes em instantes quase no pé. Tossia. Tossia. Encostada no poste, já parecia poste, dura, seca, insensível. Olhava a noite de quem era amante. De fora, ouvia o silêncio de uma avenida indialogável que se abraçava ao seu.
A luz amarelada do poste e as outras do semáforo que terminavam por distraí-la: “verde, amarelo, vermelho. Vermelho, verde, amarelo”. Do alto do prédio, uma senhora fechava as janelas e cortinas para não sentir-se invadida pela cores, ruído e vozes da noite. Embaixo, Mariana continuava comendo fumaça.

Eu não sabia quem era Mariana.

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